Produtividade volta a subir no Brasil em 2023 após dois anos seguidos em queda
Agro, emprego formal e escolaridade explicam avanço, mas há dúvidas sobre o futuro
A produtividade da economia brasileira por hora efetivamente trabalhada avançou 1,9% em 2023, após dois anos seguidos de queda. Tirando o período da pandemia, que levou, no primeiro ano, a um ganho artificial de produtividade, foi a primeira alta desde 2018 (0,5%), mas em um padrão mais similar ao observado em 2017 (2,1%). Os dados são do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
A expressiva contribuição da agropecuária em um ano de safra recorde, um padrão diferente na dinâmica de crescimento setorial, o processo de formalização no mercado de trabalho e o crescimento da ocupação entre os mais escolarizados ajudam a explicar os ganhos de 2023, segundo pesquisadores do FGV Ibre. A dúvida, segundo ele, diz respeito à sustentabilidade desse avanço, considerando, por exemplo, que o agro não deve crescer em 2024 como em 2023 e que a economia como um todo também deve desacelerar neste ano.
“Apareceram alguns sinais positivos, mas não está claro se eles vão continuar”, diz Fernando Veloso ao Valor. Veloso é coordenador do observatório e um dos autores do estudo sobre a produtividade junto com Silvia Matos, também coordenadora, e os pesquisadores do FGV Ibre Fernando de Holanda Barbosa Filho, Paulo Peruchetti, Janaína Feijó e Ana Paula Ruhe.
Para Matos e Veloso, é possível que a produtividade ainda consiga apresentar alguma alta em 2024, mas ela deve ser bem menor do que a observada em 2023. “Eu esperaria algo positivo, mas não muito significativo”, afirma Veloso.
Em 2020, a produtividade por hora efetiva subiu 12,7%, refletindo um “efeito-composição”, já que a pandemia, inicialmente, retirou mais do mercado de trabalho trabalhadores de baixa produtividade, sobretudo os informais e aqueles de menor escolaridade. Além disso, a queda nas horas trabalhadas por causa das medidas de isolamento social foi superior ao recuo do valor adicionado. Com a normalização gradual da situação sanitária e o retorno desses trabalhadores ao mercado, a produtividade por hora efetiva voltou a cair: 8,1% em 2021 e 4,4% em 2022.
A produtividade é calculada pela comparação do valor adicionado - variável próxima ao Produto Interno Bruto (PIB), mas que exclui impostos e subsídios - com os indicadores do fator trabalho. No ano passado, o valor adicionado agregado da economia subiu 3%, enquanto as horas efetivamente trabalhadas cresceram 1,1%. Dessa comparação, resultou um aumento da produtividade do trabalho de 1,9% em 2024.
Medida de eficiência com que os fatores capital e trabalho se transformam em produção, a chamada produtividade total dos fatores (PTF) subiu 0,7% em 2023. À exceção de 2020, também sob o efeito extraordinário da pandemia, uma alta anual da PTF não era observada, ao menos, desde 2017, apontam os pesquisadores.
“É certamente pouco, mas bem melhor do que antes. Isso, para mim, é um sinal de que pode ter acontecido alguma mudança para além do efeito da agropecuária”, diz Veloso.
"Parece claro que houve uma mudança no ano passado”
— Fernando Veloso
Ao longo de 2023, o ano foi marcado por uma reversão no padrão de sucessivas quedas em relação ao mesmo período do ano anterior nos indicadores de produtividade, ainda que com perda de fôlego no segundo semestre. No quarto trimestre de 2023, a produtividade por hora efetiva subiu 1,3% ante igual período de 2022, após avançar 2,3% no terceiro trimestre. “Foram quatro trimestres consecutivos de alta. Tem alguma consistência no resultado”, diz Veloso.
Apesar da queda de 0,7% no quarto trimestre de 2023 na comparação com o trimestre imediatamente anterior, a produtividade por hora efetiva ainda supera o nível observado antes da pandemia (quarto trimestre de 2019) em cerca de 1%. A PTF, por outro lado, está 5,1% abaixo do pré-covid.
Em um outro exercício, os pesquisadores acompanham a evolução da produtividade por hora efetivamente trabalhada com o que seria a tendência esperada a partir do observado no período pré-pandemia (primeiro trimestre de 2017 a quarto trimestre de 2019).
Naquele momento anterior à crise sanitária, a produtividade apresentava tendência de queda, que foi temporariamente interrompida pela elevação atípica em 2020, mas retomada nos anos seguintes. Com os aumentos até o terceiro trimestre de 2023, no entanto, a produtividade se deslocou para um nível acima da tendência pré-covid, quadro que se manteve no quarto trimestre, apesar da queda em relação ao terceiro trimestre.
“Isso é uma novidade. Há discussões sobre o efeito de reformas e o aumento do PIB potencial que não estão resolvidas, mas, independentemente disso, me parece claro que houve uma mudança no ano passado”, afirma Veloso, notando que algo semelhante foi observado nos dados sobre produtividade dos Estados Unidos em 2023. “A gente não sabe se, no Brasil, isso vai durar e se a magnitude é suficiente para fazer grande diferença.”
Apesar de estar abaixo do nível pré-covid, a PTF por hora efetiva também dá “um modesto sinal de melhora”, diz Veloso, se comparada à sua tendência anterior à pandemia. “Houve um ganho concentrado no primeiro trimestre de 2023, mas que não foi totalmente perdido, pelo menos até agora. Ela continua caindo, mas menos do que antes”, afirma o economista.
Como a elevação da produtividade agregada em 2023 resultou, em boa medida, do crescimento extraordinário da produtividade da agropecuária, os pesquisadores afirmam que é preciso ter cautela na interpretação dos dados.
A produtividade por hora efetivamente trabalhada no agro subiu 21,1% em 2023, magnitude observada apenas em 2017. Em 2022, o crescimento foi de 1,7%. Já a produtividade da indústria, na mesma métrica, avançou 2% em 2023, e a dos serviços, apenas 0,1%. Em 2022, houve quedas de 4,7% e 5,1%, respectivamente.
“Certamente, a agropecuária contribuiu muito. Mas alguns segmentos da indústria foram positivos também e a produtividade dos serviços, longe de ser uma maravilha, foi melhor do que no passado”, diz Veloso.
Segundo ele, há alguns indícios de que a alta da produtividade agregada em 2023 pode ter sido um pouco mais disseminada.
"Capital físico deixa a desejar; educação ainda é problema”
— Carlos Primo Braga
Excluindo a agropecuária - que, apesar do crescimento expressivo nas últimas décadas, ainda tem produtividade média relativamente baixa em comparação com outros setores -, os pesquisadores observaram, por exemplo, que os segmentos mais produtivos foram os que apresentaram maior expansão do valor adicionado em 2023, em particular a indústria extrativa mineral, a intermediação financeira e os serviços industriais de utilidade pública (SIUP).
“Os dados mostram um novo padrão na dinâmica de crescimento setorial que pode ter contribuído para o bom desempenho da produtividade do trabalho”, afirmam no estudo. Em geral, no entanto, esses setores mencionados empregam poucas pessoas, observa Veloso. “Dificilmente, eles vão conseguir mudar significativamente a produtividade agregada. Sem mexer na produtividade do setor de serviços, que concentra cerca de 70% das horas trabalhadas, vai ser muito difícil ter ganhos mais sustentados”, afirma.
Outro indício de que o avanço da produtividade em 2023 não se deve exclusivamente ao agro, segundo Veloso, está no comportamento do mercado de trabalho. Em janeiro de 2024, as ocupações formais estavam 9,7% acima do período pré-pandemia, enquanto as ocupações informais estavam apenas 1% acima, na série mensalizada com ajuste sazonal. Empresas do setor formal têm maior produtividade.
Um terceiro fator que pode ter contribuído para o ganho de produtividade no ano passado é que a composição educacional no mercado de trabalho voltou ao comportamento pré-pandemia, com o crescimento da população ocupada concentrado entre os grupos mais escolarizados.
“O que a gente observa de mais estrutural são os aspectos da formalização e da escolaridade. O capital humano, sistematicamente, está mostrando força no mercado de trabalho”, afirma Barbosa Filho.
Olhando à frente, se apenas a agropecuária se mostrar, de fato, decisiva para a melhora da produtividade em 2023, a perspectiva para 2024 não é boa, segundo os pesquisadores. “A ‘prova do pudim’ deste ano é como ficará a produtividade sem a agropecuária ajudando tanto”, diz Matos.
Além disso, a perspectiva de um crescimento menor do PIB em 2024, ante os 2,9% de 2023, é prejudicial, segundo Veloso. “Tipicamente, as empresas mais produtivas são as maiores, e uma boa parte do aumento da produtividade vem de empresas produtivas crescendo. Mas a desaceleração da economia significa menos mercado para essas empresas.”
Veloso observa também que a queda do investimento no ano passado pode ser ruim para a produtividade em 2024, ainda que a formação bruta de capital fixo (FBCF) venha a se recuperar parcialmente neste ano após o tombo de 2023. “A produtividade depende do estoque, não do fluxo”, explica. A FBCF é a medida no PIB do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação.
Com maior contribuição da indústria de transformação e da construção ao valor adicionado em 2024, a produtividade pode até se sustentar no campo positivo neste ano, na avaliação de Matos. “Não seria um crescimento forte, não consigo imaginar repetir nada parecido [com 2023], mas negativo também acho que não será, por causa da composição do PIB”, afirma.
A questão da produtividade é “um dos grandes dilemas da economia brasileira”, segundo Carlos Primo Braga, professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-diretor de Política Econômica e Dívida no Banco Mundial. “Para ter crescimento sustentável, precisa ter aumento da produtividade. Mas o único setor que vem crescendo, desde 1995, a taxas mais significativas é a agropecuária.”
O custo de fazer negócio no Brasil afeta o potencial de investimento na economia, diz Braga. “A contribuição do capital físico à produtividade realmente deixa a desejar”, afirma. A FBCF precisaria subir, segundo ele, dos atuais 16,5% do PIB para algo como 24% do PIB.
Mas o capital humano, também é um “calcanhar de aquiles” do Brasil, afirma. “Embora se tenha melhorado significativamente a educação, em termos de cobertura, nas últimas décadas, a qualidade ainda é um problema sério.”
Para resolver essas questões, “não existe bala de prata”, diz Braga. “É toda uma agenda de reformas, para diminuir o custo dos negócios, melhorar a qualidade dos gastos em educação, a formação das pessoas para atender a demanda em áreas ligadas a inovação, tecnologia de informação e comunicação”, exemplifica o economista.
*Conteúdo retirado do site Valor Econômico. Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/03/15/produtividade-volta-a-subir-no-brasil-em-2023-apos-dois-anos-seguidos-em-queda.ghtml?utm_source=Whatsapp&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar*