Como diferentes gerações compartilham os mesmos locais de trabalho, é comum haver conflitos de ideias. Saber gerir esses conflitos é um desafio para o mercado
Por Lucas Costa
Parte da vida de todo mundo é dedicada ao trabalho, durante esse tempo as relações profissionais e as responsabilidades pertinentes convivem com o trabalhador. Todo serviço é feito sob alguma pressão e produz um determinado resultado.
Cada pessoa lida de uma forma particular com a pressão do trabalho, contudo é possível notar algumas mudanças entre as gerações. O mercado de trabalho conta hoje, principalmente, com três gerações diferentes de trabalhadores. Como as relações de trabalho mudam ao longo do tempo é natural que, de tempos em tempos, haja conflitos geracionais no ambiente de trabalho.
Uma das pautas, por exemplo, que começou a ser debatida pelos millennials (nascidos entre 1981 e 1996) e tem força na geração Z (entre 1997 e 2010), é a saúde mental.
A pauta de saúde mental é posta em questão porque muitos trabalhadores têm convivido com estresse, ansiedade e depressão no ambiente de trabalho, por isso tem sido necessário, cada vez mais, um cuidado com a saúde psicológica dos funcionários.
No passado, era comum e aceitável ver cargas horárias excessivas e situações de violência psicológica no ambiente de trabalho. Essas relações estão sendo revistas pelas novas gerações, o que muda a rotina no ambiente de trabalho e reordena as prioridades individuais. As novas gerações estão mais propensas a desistir do seu emprego à medida que se sentem sobrecarregadas e estressadas.
Saúde mental em debate
A rotina intensa de uma cozinha profissional frequentemente envolve longas horas de trabalho em pé, com poucas folgas semanais, remunerações possivelmente baixas e em ambientes altamente estressantes.
Tudo isso coloca a profissão de chef como uma das mais propensas a desenvolver problemas de saúde mental.
Segundo um estudo do The Burnt Chef Project, quatro em cada cinco chefs de cozinha, nos Estados Unidos, dizem já terem vivido problemas de saúde mental. Dentre esses, mais de 60% dizem já terem tido 3 ou mais problemas desse tipo ao longo da carreira.
Ou seja, há um problema sistêmico que afeta todas as cozinhas profissionais. Entender as demandas e gerir os problemas decorrentes são alguns dos principais desafios do setor.
A partir de um olhar interno, o chef Caio Gomes, em conversa com a B&R, aponta uma glamourização do sofrimento, quando o sacrifício é visto como uma medalha de honra ou moeda de troca profissional.
Segundo ele, em todo o ecossistema gastronômico, do auxiliar de cozinha até o empresariado, o despreparo e a falta de atenção podem levar a comportamentos duros e tóxicos.
Entender que relações tóxicas e excessos de violências não são mais tolerados em ambientes profissionais pode levar os gestores a agir de forma a intervir na saúde mental dos trabalhadores, o que deve reter bons funcionários e proporcionar um ambiente mais saudável de trabalho.
Pensando nisso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) elaborou um guia sobre saúde mental no trabalho, o WHO Guidelines on Mental Health at Work. Nele foram trabalhados diversos tópicos sobre o assunto, dentre as recomendações destaca-se:
• Comunicação estruturada: em que haja reuniões regulares de avaliação com os supervisores ou que as avaliações sejam de acordo com as preferências pessoais, com informações escritas ou verbais;
• Adequação do serviço à descrição do trabalho: de forma que haja constantes reintroduções dos funcionários às tarefas a eles delegadas para que não haja desvio de função;
• Cuidado com o ambiente físico: como manter o acesso de funcionários a áreas privadas de descanso, a oferta de refrigeradores para alimentos e remédios e outros cuidados com o bem-estar;
Essas recomendações são úteis para todos os ambientes de trabalho, da extração à prestação de serviços. Contudo, cada setor apresenta suas particularidades e, com isso, dores próprias de sua existência.
O setor de alimentação fora do lar, por exemplo, tem parte substancial de sua receita feita aos domingos e feriados, e tem como característica longas horas de expediente, o que leva os trabalhadores a terem uma rotina diferente de grande parte da população.
Como consequência, dois terços dos profissionais dizem ter problemas de convívio devido ao pouco tempo livre para as relações pessoais, conforme o mesmo estudo do The Burnt Chef Project. Além disso, a baixa remuneração, quando comparada com outros setores, também é apontada como um dos principais problemas do setor.
Devido à natureza da área, algumas demandas não podem ser correspondidas, um estabelecimento de alimentação não pode fechar aos feriados pois seria um problema para o balanço financeiro. Contudo, é possível que a gestão crie maneiras de contornar essas dificuldades propondo alternativas que beneficiem os trabalhadores.
Conflitos geracionais
Os modelos de gestão de cozinha mais comuns hoje têm como inspiração o modelo francês, de origem militar. Esse esquema é montado a partir de uma hierarquização rígida com verticalização inquestionável das decisões. Assim, a ordem sai do topo à base com exigência e pressão.
Contudo, muitas vezes o comando é violento e, na cascata hierárquica, aqueles que operam a base sofrem excessos, sentindo-se sobrecarregados emocionalmente.
O modo como as diferentes gerações enxergam e colocam essa pressão muda. Em entrevista ao podcast O Café e a Conta, o chef Luiz Filipe Souza, do restaurante Evvai, comentou sobre os modos de trabalho de cada geração. Para ele a geração X (nascidos entre 1965 e 1980) foi moldada a ferro e fogo, o que resultou em grandes resultados. Contudo, esse modelo já não é mais aceito pelos mais novos.
Ainda na linha geracional, o chef, diz que a geração Millennial sabe discernir melhor os excessos, sabe da importância da saúde mental, mas mantém a disciplina dos antigos. A geração Z, por sua vez, prioriza a saúde mental de forma a não aceitar os excessos e violências.
Com isto, o resultado depende de um trabalho em equipe que convive com tais conflitos, mas que converge na busca pela excelência. As novas gerações também buscam o grau máximo de operação, mas trabalham a partir de lógicas diferentes.
Ao entender que a melhora deve ser diária e que parte importante do tempo é dedicado ao trabalho, as novas relações propõem ambientes menos agressivos à saúde mental, cuja pressão seja edificante e não destrutiva.
O perfeito como ambição
Algumas características são próprias do ser humano, independentemente do local e do momento histórico, a busca pela excelência, por exemplo, anda junto a humanidade. Sempre houve pessoas que tentaram preparar a melhor comida, e, assim, sempre houve aquelas pessoas que prepararam os melhores pratos.
Contudo, preparar um prato com exatidão não é a maior dificuldade de uma cozinha profissional. “O maior desafio é fazer o muito bom todo dia”, comenta Luiz Filipe, chef do Evvai, restaurante duas vezes premiado com estrela Michelin, em São Paulo.
O esforço máximo diariamente em um longo período exige disciplina, responsabilidade e desejo, mas encaminha à excelência.
O desejo pela perfeição, comum também a atletas e artistas, reflete um modelo de vida cuja rotina é levada à exaustão. A busca por aperfeiçoamento diário é um desafio a todos que almejam a excelência. Nesse caminho, as pessoas encaram dificuldades de todas as naturezas e abdicam de prazeres e descansos em prol do melhor resultado.
*Texto adaptado da edição 159 da revista B&R